Profª Drª Sylvia Caiuby Novaes
Ministrante: Profª Drª Carolina Junqueira
Dando continuidade aos debates e reflexões surgidos no curso “O corpo, a morte, a imagem” (DA-USP/2º semestre de 2017), propomos agora um aprofundamento das questões ligadas aos monumentos e espaços memoriais. Tomando como ponto de partida o corpo do morto, especialmente em sua dimensão simbólica e política, analisaremos a construção de narrativas, imagens e memórias no imaginário coletivo e nos espaços públicos. Os memoriais serão analisados levando em consideração especialmente as questões éticas e morais do aparecimento do morto no espaço público. A memória é tanto uma função fisiológica quanto uma construção cultural, uma narrativa possível, permanentemente cambiante. Como nos sugere Andreas Huyssen, “a permanência prometida pela pedra do monumento está sempre erguida sobre a areia movediça”, o que nos leva a Robert Musil, ao dizer que “não há nada no mundo tão invisível como os monumentos”. Entre (im)permanências e (in)visibilidades, a narrativa memorial se constrói no espaço, na sociedade, nas mentalidades. Porém, é preciso levar em consideração, tanto quanto a memória materializada, aquela que não está, que não aparece, que foi sufocada ou deliberadamente apagada. O corpo é aquilo que desaparece – embora seja justamente aquilo que resta no momento da morte. O corpo morto é o que precisa desaparecer da vista dos vivos, e, em seu lugar esvaziado – a lacuna –, um outro corpo surgirá, feito de nova materialidade. Seja imagem, seja pedra, inscrição ou pronúncia do nome, aquele corpo desaparecido abre espaço para que uma marca se faça no espaço – um traço. Um marco de memória, de presença, que evoca o desaparecido em sua ausência, que o traz de volta para se colocar em uma nova dimensão de corpo. A marca é traço, é índice, é a impressão, na paisagem atual, daquilo que se faz ausente e presente ao mesmo tempo. O traço presente daquilo que desapareceu é o “aqui”, é a afirmação do tempo e do lugar que o morto agora ocupa, que o vivo agora vê. Falar em memoriais e práticas de memória é também conceber um determinado espaço coletivo como possuidor de uma aura, de uma ordem sagrada (separada), não é simplesmente o local em que se instaura um artefato, uma construção, pedra ou imagem. O lugar supõe questões e operações simbólicas fundamentais que ligam o morto ao vivo, o morto à história, o morto à memória; que ligam, sobretudo, o vivo a uma narrativa de passado, experimentada hoje. É preciso levar em consideração ainda que a ideia de morto vai muito além do corpo humano sem vida, o cadáver. O morto permanece um corpo político ativo, vivo, presente, quando convocado pelos vivos para participar da narrativa memorial e do imaginário coletivo. Tomando como referência monumentos e memoriais pelo mundo, além de noções como montagem, representação, presença, ausência, narrativa, violência e identidade, o objetivo do curso é produzir reflexões urgentes sobre o estado da memória no mundo contemporâneo, especialmente no Brasil. Veremos também o quanto a arte tem sido um dos grandes lugares de produção, articulação e questionamento da memória e do apagamento. Para além da bibliografia sugerida, trabalharemos sempre a partir de imagens, tomando-as como parte essencial das nossas reflexões.