Prof. Dr. Guilherme Moura Fagundes
Dr. Leonardo Vilaça Dupin
O curso Tópicos especiais em antropologia da vida (antropologia dos microrganismos) tem lastro nos estudos de ciência e tecnologia (STS), nas etnografias multiespécie e também na antropologia da técnica de matriz maussiana. Ele se focará em uma antropologia da microbiodiversidade, que ganhou espaço na disciplina quando etnógrafos e etnógrafas passaram a olhar para a microbiota como lócus significativo das dinâmicas sociais e ecológicas contemporâneas.
O programa de uma antropologia dos micróbios, inaugurado pelo livro de Bruno Latour, Les Microbes. Guerre et paix, publicado em 1984, que propõe considerar os micróbios como atores para uma ciência renovada da sociedade, tem tido ressonância na disciplina desde o início dos anos 2000, quando novas técnicas de sequenciamento genético passaram a revelar a diversidade microbiana e a especificidade das interações entre humanos e microrganismos. Estas transformações forneceram uma nova lente para a antropologia examinar como diferentes segmentos (cientistas, fiscais sanitários, gestores ambientais, médicos, produtores rurais, consumidores de alimentos fermentados, etc.) percebem e interagem com esses atores, que estão no centro não apenas de questões de saúde e ambientais, mas também políticas, econômicas e culturais.
Etnografias que trazem esses microseres para o primeiro plano emergem em países como os Estados Unidos - como os trabalhos de Stefan Helmreich e Heather Paxson - , investigando a instrumentalização desse atores em microbiopolíticas que operam na contemporaneidade, através de misofobias ou de governamentalidades baseadas na coexistência e inter-relação entre diferentes entidades vivas. Ou mesmo investigam culturas pós-pasteurianas emergentes, para as quais os micróbios não devem ser vistos apenas como agentes patogênicos, mas também como parceiros ecológicos essenciais (misofilia).
Porém, mais do isso que isso, o campo se amplia, passando a investigar a influência de comunidades microbianas em questões de identidade e comportamento que vem redefinindo a as fronteiras entre "o humano" e "o não humano", mas também outros dualismos como “natureza e cultura”, “indivíduo e sociedade”; “pureza e contaminação”, que ressoam em diferentes áreas da disciplina, como nos estudos de ciência e tecnologia (STS) e no campo da virada ontológica que convergem também na problematização dessas fronteiras.
Diante do amplo caráter dinâmico e relacional dos organismos microscópicos, alguns autores têm proposto a construção de um campo de estudo que chamam de "antropologia dos/com micróbios", no qual microbiologia, ecologia, biotecnologia e antropologia podem convergir para oferecer uma compreensão mais complexa das relações entre humanos e seus microbiomas, e que volte sua atenção para um série de fenômenos, como o modo como sociedades desenvolvem técnicas e práticas para antecipar e conter surtos epidêmicos.
Esta disciplina pretende acompanhar essas discussões através da leituras de trabalhos etnográficos, dedicando atenção ao modo como etnógrafos de diferente países têm se engajado para construir sua base empírica, realizando seus trabalhos de campo em temas pandemias, consumo alimentos, estudos marinhos, conservação de obras de arte, construção de solos e, mesmo, uso militar desses microrganismos, de modo a formar estudantes que possam se interessar em se engajar nessa temática, ainda pouco trabalhada no país.